
O avanço da proposta que institui uma escala de 36 horas de trabalho por semana pode gerar grande dano à economia em termos de atividade e emprego, diz o economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Duque é autor de um estudo em que traça cenários para o comportamento da economia em caso de aprovação da proposta. No mais otimista, em que a redução da jornada é desacompanhada de perda de emprego e com crescimento médio de 1% da produtividade por hora trabalhada, a perda para o PIB brasileiro seria de 6,84%.
Já no mais pessimista, em que empresas fecham ou demitem funcionários por causa dos custos mais altos, o PIB desabaria 8,12% e haveria redução de 1,1 milhão de vagas de trabalho.
“Os defensores da proposta parecem não perceber que, a não ser que se aumente muito a produtividade, não tem como uma proposta como essa não gerar impacto econômico forte. O PIB nada mais é que a produtividade e a quantidade de horas trabalhadas. Imaginar que se possa reduzir o segundo sem reduzir a renda da população é whishful thinking“, diz, usando a expressão em inglês que define um pensamento que contém mais desejo que raciocínio.
Mesmo que se reduza a jornada e impeça redução do salários, a lei não pode impedir demissões, ou menos admissões, ou então congelamento de salários, continua.
“E mesmo que existam mecanismos compensatórios que elevem a produtividade da economia – por conta de fatores como mais descanso ou melhora da saúde mental – essa compensação dificilmente será equivalente.”
Sinal de que mesmo o governo entende o tamanho do impacto negativo da proposta de 36 horas, continua, é o fato de que trabalhava por outro projeto, que corre na Câmara e advogava uma redução menor da jornada, para 40 horas semanais. A PEC que teve avanço no Senado, e é relatada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), e propõe o fim da escala 6×1 e uma redução gradual da jornada semanal para 36 horas, com até oito horas por dia e sem redução de salários.
“Não vejo problema com o fim da escala 6×1. A Europa fez essa opção de trabalhar menos horas por semana que os Estados Unidos — e, em grande parte, esta é a razão do hiato entre o desempenho do PIB de ambos. Mas acredito que estamos perdendo a oportunidade de discutir novas fórmulas, que poderiam olhar para a maior flexibilidade de jornadas que o mercado de trabalho hoje permite”, diz Duque.
Um exemplo é a economia gig, personificada pelos aplicativos de transporte e entrega. Existem trabalhadores diferentes e preferências que mudam com o tempo. “O governo tenta impor um limite de horas trabalhadas, mas os próprios trabalhadores desse setor recusam essa limitação”, nota.
Outra discussão é a remuneração por hora trabalhada, ao invés do salário fixo, que também permite maior flexibilidade a empregadores e trabalhadores.
“Claro que mudanças como essa geram desafios adicionais. Uma pessoa que trabalha 4h por dia não poderia ganhar metade de quem trabalha 8h – teria que ser uma proporção maior, até para incentivar a jornada maior. Tudo teria que ser melhor discutido, mas também existem outras experiências no mundo para se espelhar.”
O fim da jornada 6×1, com a passagem de 44 horas semanais para 36 horas semanais, pode ter impacto sobre o PIB, em razão do menor número de horas que o trabalhador passará a cumprir, levando em consideração o histórico da produtividade do país por hora trabalhada. Numa redução para 36 horas, haveria perda de até 6% no valor agregado do PIB. A perda se daria ao longo do período de transição para a redução da jornada semanal, segundo aponta o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na quarta-feira (10) Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o fim da escala 6×1 por meio da redução de jornada de trabalho para 36 horas semanais, de forma gradual. A ideia é que o total da jornada de trabalho cairia no ano seguinte da aprovação da PEC para 40 semanais, e depois, cairia em uma hora semanal, ano a ano, num total de cinco anos de transição.
“Se imaginarmos uma pessoa que trabalha hoje no limite máximo, de 44 horas semanais, e que terá jornada reduzida para 40 horas no ano seguinte, estamos falando de uma queda de praticamente 10% no horário trabalhado. Não tem como a pessoa produzir a mesma coisa que antes. Isso deve ter um impacto na produtividade por trabalhador. E dado que o salário dele será mantido, como é a proposição da redução da jornada, é de se esperar um aumento do custo das empresas. É impossível achar que isso não vai ter um impacto sobre a produtividade do trabalhador”, diz Barbosa.
A grande preocupação, diz, é o impacto sobre o PIB. A estimativa de estudo já divulgado no âmbito do FGV Ibre, diz, é de uma redução de valor agregado na economia da ordem de 6%.
“A produtividade por hora do trabalho no Brasil tem andado de lado, na melhor das hipóteses, nos últimos anos. O discurso que o trabalhador vai ficar mais produtivo, tende a não se concretizar. E com isso, se a jornada for reduzida em 10% no primeiro ano, como se propõe, os setores em que se trabalha hoje 44 horas irão ter queda para 40 horas semanais, com perda de valor agregado naquele setor próximo dos 10%. Como no agregado da economia a jornada média de trabalho hoje já está em torno das 38 horas, a perda será mais concentrada em alguns setores específicos.”
Os impactos sobre o bem-estar de quem continua empregado serão óbvios, avalia Barbosa Filho, porque a pessoa vai “manter o mesmo salário” trabalhando menos horas.
“A preocupação adicional que se tem são trabalhadores que trabalham por comissão, como os vendedores. A comissão costuma ser parte importante da remuneração dele. Se ele trabalhar menos horas, não conseguirá manter o mesmo nível de remuneração total.”
Na questão dos custos, as empresas, diz, vão tentar fazer algum tipo de ajuste, mas isso irá depender dos setores. Atualmente, ressalta, o mercado de trabalho é positivo para o trabalhador, já que o nível de desemprego está muito baixo.
Uma transição gradual de 44 para 36 horas semanais mitiga certo risco de precarização do mercado de trabalho, mas não o elimina. Por mais que sejam boas as intenções, a mudança, considerando a estrutura do mercado de trabalho no Brasil, deve levar a um aumento da taxa de informalidade ou à pejotização. A avaliação é de Bruno Imaizumi, economista da 4intelligence.
Ele faz uma analogia com a legislação que buscou a formalização das empregadas domésticas. “Obviamente garantiu-se alguns benefícios para as pessoas que estão em vagas formais, mas a redução das domésticas com carteira assinada foi bem forte.”
Como as horas de trabalho serão reduzidas e talvez haja ganho de produtividade por hora trabalhado, diz, isso pode levar a aumento de custos operacionais em alguns setores e para algumas empresas, principalmente micro e pequenas, que podem sofrer um pouco mais.
Algumas empresas, diz, podem ter dificuldade de continuar operando, o que pode resultar em demissões, mas sem grande impacto no mercado de trabalho como um todo.
“O que eu vejo é mais uma substituição da mão de obra que podia estar formal para uma mão de obra informal. Ou para contratos mais fragilizados, como pejotização.”
Há estudos, lembra, que mostram perda de PIB na redução da jornada de trabalho. “Não enxergo muito problema numa transição 44 para 40 horas semanais, que é a jornada da grande maioria. Numa redução para 36 horas já enxergo mais problemas, porque não temos um mercado de trabalho tão bem ajustado. Nosso mercado tem certas fragilidades e, por mais que o desemprego esteja baixo, não temos rendimentos dignos para a maioria das profissões.”
A redução da jornada de trabalho prevista na PEC que elimina o regime 6X1 reacende a necessidade de rever as métricas de produtividade e estímulos para chegar a uma forma de compensação, ao mesmo tempo que pode pressionar a inflação ao gerar mais custos empresariais se não houver algum tipo de equiparação, como ajuste de salário ou ganhos de produtividade. É o que avalia o economista e ex-ministro do Trabalho do governo Fernando Henrique Cardoso Paulo Paiva.
Porém, o economista ressalva que a aprovação do novo texto aprovado nesta quarta-feira (10) pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado vem como um símbolo mais “político-eleitoral do que um efeito sobre eficácia do mercado de trabalho”.
Pensando a médio prazo, ele defende que o país repense o mais rápido possível as métricas de produtividade, uma vez que o mercado de trabalho está cada vez mais complexo – com novos modelos de ocupação, como as por aplicativo, e aumento da informalidade.
Paiva também lembra que o critério jornada de trabalho pode ser alterado por acordo ou convenção coletiva, como manteve a PEC, assim como a proibição de reduzir salários. “É o caminho mais natural [convenções] para não gerar custos adicionais à produção. Contudo, no caso de redução de jornada, sem compensação com redução de salários, ou ganhos de produtividade, eleva-se o custo de produto e, em consequência, pode pressionar e gerar mais inflação”, afirma.
A medida só alcança os trabalhadores formais. Trabalhadores autônomos e por conta própria não estão cobertos pela legislação trabalhista e compõem os desafios complexos que se terá de enfrentar nos próximos anos no Brasil, salienta Paiva.
Ao comentar sobre movimentos de longo prazo para o cenário de mercado de trabalho, ele afirma que ao se pensar em “reorganizar o tempo de trabalho, é essencial entender para onde a produtividade está caminhando — tanto pelas mudanças demográficas quanto pelas transformações tecnológicas que afetam a estrutura do mercado de trabalho”.
Para Paiva é preciso atentar-se à população ativa e ao envelhecimento demográfico, que refletirão na composição do mercado de trabalho, cada vez mais complexo, muito além da dualidade de formal e informal remetida da década de 1970. Tais desafios se conectam com as formas de medir a produtividade que, na visão do economista, também precisarão ser revistas.
“Por isso, precisamos refletir sobre as medidas de produtividade que usamos. Elas foram concebidas para a indústria tradicional, vinculadas a atividades econômicas tangíveis. Só que hoje o trabalho é muito mais complexo — envolve serviços baseados em conhecimento, produção intelectual e atividades que não se encaixam na lógica clássica da mensuração produtiva. Essa é a grande questão: medir produtividade num mundo que mudou”, diz.
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