
A comunicação empresarial vem aumentando de tamanho. E de missão. “Os comunicadores que, nos anos 1970, se preocupavam com a gramatura ideal do papel para suas publicações, hoje estão preocupados com os dramas do mundo”, resume Paulo Nassar, diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Afinal, em tempos de sociedade polarizada, temas e posicionamentos na esfera política, econômica e social podem tanto arranhar a reputação como fortalecer marcas. O movimento ganha força com a velocidade e descentralização no vaivém de informações.
“A comunicação digital não muda só o jogo, muda o tabuleiro, com espaço para críticas radicalizadas e circulação de mentiras”, argumenta a professora Maria Carolina Medeiros, da FGV Comunicação. E o desdobramento é previsível. “Se a marca não construir uma narrativa sobre si própria, outros vão construir”, diz ela.
Para enfrentar os desafios dos novos tempos, cada vez mais a comunicação se mune de qualidades da diplomacia, com ouvido atento a diferentes atores, coerência e, quando necessário, rapidez nas respostas. Nesse cenário, tem até CEO que se torna ativista e diretora que faz treinamento para transitar pela polarização, como ocorre na Roche Farma Brasil. Times de comunicação também se unem à presidência para traçar estratégias políticas que impactem em Brasília, como a ADM na defesa da moratória da soja, ou cheguem à Casa Branca, caso da CitrusBR no combate ao tarifaço do governo Trump. Outras vezes é preciso transformar crise em políticas estruturais, como fez o Carrefour com a criação – e divulgação – de uma agenda antirracista na esteira da morte de João Alberto Freitas, espancado por seguranças em uma das lojas da rede de supermercados.
Agora até a sigla ESG ganha mais um significado. “É a letra E de economia, S de segurança e G de geopolítica”, diz Nassar. Essa combinação força empresas a olhar para além dos próprios muros, como bem sabe Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR, a associação dos exportadores de sucos cítricos. Com estratégia de comunicação bem azeitada, parceria com o governo e empresas filiadas, a entidade ajudou a livrar o suco de laranja brasileiro da tarifa de 50% anunciada pelos Estados Unidos.
Ele conta que o trabalho começou logo após o anúncio da nova alíquota, no fim da tarde de 9 de julho. Às 10 horas da manhã seguinte, a entidade já distribuía o primeiro comunicado a veículos nacionais e a agências internacionais de notícias. Munida de números, a CitrusBR detalhou o impacto previsto da medida tanto para o Brasil quanto para os preços do suco nos Estados Unidos. “Nossa função foi fazer essa comunicação o mais estridente possível para que reverberasse tanto aqui como lá”, diz o diretor.
A reação rápida, avalia, foi possível graças à base de dados utilizada para embasar os argumentos, com números como volume de exportações, participação dos Estados Unidos nas vendas brasileiras, peso do suco nacional no consumo americano e movimentações das exportações para outros mercados. “Quem tivesse informação teria privilégio na pauta, e a gente tinha tudo muito organizado”, afirma. A estratégia rendeu a Netto 218 minutos de entrevistas na TV brasileira ao longo de três semanas, além de colocar a visão da CitrusBR no noticiário internacional.
Mas a agilidade é só uma parte da equação. “A resposta tem de ser rápida, mas também ter o tom certo”, diz Medeiros, da FGV. E, para calibrar o discurso, a Citrus-BR ouviu associados, importadores e autoridades. Cada comunicado era compartilhado de antemão com interlocutores do governo federal, como o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Sou partidário da política da não surpresa. Não gosto de dar nem de levar susto”, argumenta Netto. A parceria com o governo também incluiu reuniões no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Nas conversas, Netto ressaltava que a entidade era contrária à adoção de represálias. “Queríamos deixar a negociação na mesa e retaliações minariam qualquer esforço do outro lado”, afirma.
Enquanto isso, o outro lado, formado por clientes de peso, agia nos Estados Unidos. Ele conta que, no combate às tarifas, dois grandes produtores brasileiros – Cutrale e Citrosuco – acionaram seus principais compradores: Coca-Cola e Tropicana, respectivamente. “Esses dois importadores tiveram papel fundamental nessa história, com visitas à Casa Branca”, avalia Netto. Em um desses encontros, executivos da Coca-Cola levaram representantes da Cutrale para que apresentassem os investimentos realizados por empresas brasileiras do setor em terminais portuários e fábricas nos Estados Unidos. “A Cutrale mostrou que o setor não apenas vende, mas investe no país”, conta o diretor.

No total, segundo ele, foram três visitas. Todas sem alarde. “Qualquer manifestação pública por parte das empresas poderia ser entendida como um ato de desafio ao governo Trump, e tudo que uma empresa não quer é arrumar encrenca com o governo que já está no nível de estresse com o mercado elevadíssimo.” Além das conversas com autoridades e jornalistas, a CitrusBR recorreu às redes sociais para atualizar o cenário sobre o impasse tarifário para outros públicos, como produtores de laranja preocupados com o destino das vendas.
Além dos produtores, também funcionários de empresas de outros setores afetados se preocuparam com o impacto do tarifaço nos seus empregos. Na ADM, a resposta foi incluir o tema no material de perguntas e respostas enviado periodicamente aos gestores para orientá-los em conversas sobre assuntos que extrapolam a rotina operacional. “Mostramos [aos funcionários] que a mudança não afeta, pois, se existe um tarifaço nos Estados Unidos, estamos vendendo mais para a China”, afirma André Degasperi, líder de comunicação da ADM para a América Latina.
Em outra frente, a empresa concentra esforços na defesa da moratória da soja — o compromisso firmado em 2006 pelas traders signatárias para não comercializar soja originária de áreas da Amazônia que tenham sido desmatadas a partir de 2008. A medida vem sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e por Estados como Mato Grosso e Rondônia, sob alegação de que o arranjo prejudica produtores por formar um cartel de compras.
Na disputa de narrativas, a equipe de comunicação da trader vem se tornando mais proativa no trato com a imprensa. Segundo Degasperi, até cerca de quatro anos atrás, a empresa se limitava a responder às questões quando era procurada. A prática mudou com o aumento das contestações à moratória e, hoje, cerca de 60% das ações da ADM na imprensa sobre o tema partem da própria companhia. “Temos de explicar que o ganho ambiental e a atratividade da soja brasileira para mercados mais exigentes conquistados pela moratória da soja são colocados em julgo por questões comerciais”, diz. “Em um mundo polarizado, muitas vezes as pessoas acabam esquecendo desse fato e misturam tudo com opinião política”, completa.

Para definir os posicionamentos, a equipe trabalha junto às diretorias de sustentabilidade e de relações governamentais, com apoio de uma bióloga. Com os pontos centrais definidos, o conteúdo é direcionado aos diferentes públicos. “O diretor de relações governamentais leva as mensagens para Brasília e a gente, da comunicação, distribui o conteúdo à imprensa e aos nossos canais próprios, como site e LinkedIn”, diz Degasperi. Como no caso do suco de laranja, a estratégia também é construída em conjunto com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que se baseia em informações de ONGs como WWF Brasil e Greenpeace, ambas signatárias da moratória.
Mas nem sempre processos estruturados evitam turbulências. “Neste momento de polarização intensa, vivemos um paradoxo: enquanto o acesso à informação disponível aumenta exponencialmente, a disposição para o diálogo diminui de forma dramática”, afirma Regina Moura, diretora de comunicação corporativa da Roche Farma Brasil. Na empresa, o tema já virou até pauta de capacitação. Neste ano, Moura participou, na matriz da empresa, na Suíça, de um treinamento com foco na atuação da liderança em tempos de polarização.
Ela resume um dos principais aprendizados: “Antes de escrever um posicionamento, definir uma mensagem-chave, precisamos garantir que sejam resultados de diálogos com as partes interessadas e, no momento atual, isso só é possível se aprendermos a navegar bem entre as polaridades, reconhecendo o que há de válido e oportuno na visão de cada parte interessada”. A prática foi adotada, por exemplo, nas eleições de 2022, quando a empresa produziu uma série de entrevistas em vídeo, divulgada por veículos de comunicação, em que os quatro partidos mais bem colocados apresentaram propostas técnicas para a saúde. “Dialogando com perspectivas múltiplas, geramos impacto coletivo”, diz Moura.
Mas a escuta de diferentes pontos de vista não implica, necessariamente, a busca de consenso — nem de um lugar em cima do muro. “A neutralidade é um dos lugares mais difíceis de ocupar hoje, já que a sociedade espera que as marcas assumam valores”, afirma Patrícia Gil, professora da ESPM na área de comunicação organizacional e corporativa. Moura concorda: “Não tem mais espaço para aquela empresa que não se posiciona”. Foi movida por esse raciocínio que a Roche Farma Brasil participou, durante a pandemia de covid-19, de uma campanha com outras empresas em defesa da vacina, mesmo não sendo fabricante de imunizantes. “A vacina salva vidas, e uma empresa de ciência, que acredita na ciência, tem que ter propósito”, diz ela.

A abordagem é encampada pela na atuação da CEO da Roche Farma Brasil, Lorice Scalise, que usa sua conta no LinkedIn para defender temas como equidade no acesso à saúde, licença parental e equidade de gênero. Na avaliação de especialistas como Nassar, a postura é tendência. “O CEO de hoje precisa ser um comunicador público, não apenas um gestor”, diz ele. “Em tempos de ruídos, o silêncio da liderança é interpretado como fuga.”
Nem sempre, porém, a estratégia dá certo. Um deslize famoso veio do CEO da Apple, Tim Cook. No ano passado, ele divulgou em sua conta no X um vídeo em que livros, instrumentos musicais e câmeras eram esmagados até se transformar no novo iPad. A metáfora pretendia ressaltar o poder criativo do aparelho, mas acabou soando como destruição da própria criatividade. As críticas não tardaram nas redes. Até o ator Hugh Grant juntou-se aos descontentes: “A destruição da experiência humana. Cortesia do Vale do Silício”, escreveu no X. Aproveitando a brecha, a Samsung lançou no dia seguinte o anúncio em que uma mulher tocava um violão danificado usando o tablet da marca como partitura. Ao final, vinha a mensagem “A criatividade não pode ser esmagada”.
Na avaliação de Medeiros, o episódio mostra que mesmo uma marca do nível da Apple pode errar e deixar o concorrente surfar na onda — tudo em velocidade só possível no mundo digital.
Também no Carrefour, uma declaração do CEO do grupo na França, Alexandre Bompard, teve consequências imprevistas. Foi o caso da carta, publicada no LinkedIn, em que dizia que o grupo não compraria mais carne do Mercosul, alegando falta de conformidade com normas europeias e o desmatamento para produção de gado. Mesmo sem afetar as lojas no Brasil, a decisão disparou uma avalanche de reações do setor do agronegócio e do governo brasileiro, com ameaças de boicotes por parte de fornecedores de carne.
Coube ao time brasileiro administrar o dano, começando por mostrar à matriz a dimensão da reação brasileira, com relatórios sobre o impacto na imprensa, nas redes sociais e nas manifestações de autoridades, conta Danilo Vicente, diretor sênior de comunicação interna e externa e de marketing institucional do Carrefour Brasil.
Em outra frente, foi preciso combater a circulação de notícias falsas sobre falta de carne nas lojas. “A gente começou a mostrar que tinha carne. Tiramos fotos, falávamos e convidamos jornalistas para entrar na loja”, relata. Em paralelo, o comitê de crise, formado pela presidência brasileira e executivos das áreas de comunicação, ESG e relações governamentais, elaborou um pedido de desculpas. “Contribuímos para traçar uma mensagem clara, que não desse margem a novas discussões”, conta Vicente. Outro pedido de desculpas, assinado por Bompard, foi enviado ao Mapa, reconhecendo a qualidade da carne brasileira. Ao final, segundo Vicente, a situação se normalizou sem impacto operacional relevante.
Nem sempre, porém, só palavras dão conta do recado. “Nota de repúdio, por exemplo, é uma coisa que dificilmente funciona”, diz Medeiros, da FGV. “O público quer saber se a prática vai se alinhar com o discurso.” No caso do Carrefour, após a morte de João Alberto Freitas por seguranças em uma das lojas da rede, a busca de coerência exigiu uma reviravolta estrutural da empresa.
Com recursos do termo de ajuste de conduta (TAC) de R$ 115 milhões firmado com o Ministério Público, mais R$ 40 milhões adicionais, foi adotada uma série de medidas. Entre os itens da lista, estão: criação de diretoria de equidade racial, inclusão e diversidade; metas de 50% de lideranças negras e 50% de mulheres até 2030; cursos obrigatórios de letramento racial para todos os colaboradores; parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares para criação de um curso de formação de dois anos para profissionais de segurança; adoção de câmeras corporais para seis mil profissionais de segurança; adoção de cláusulas antirracistas em contratos com fornecedores; e financiamento para a formação de empreendedores negros.
Para Vicente, a mensagem é clara. “Não adianta apenas ser contra o racismo, é preciso também adotar postura antirracista de forma proativa”, resume o diretor.
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