
A decisão do ministro Gilmar Mendes que dificultou o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) indignou parlamentares e aumentou a pressão sobre o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para uma reação que restabeleça o papel da Casa como instituição de freio e contrapeso ao poder da Corte.
Ao longo do dia, deputados e senadores que defendem a destituição de Alexandre de Moraes acusando-o de perseguir a direita, protestaram contra a blindagem criada por Gilmar Mendes – ele também alvo de vários pedidos de impeachment.
Na Câmara e no Senado, parlamentares passaram a colher assinaturas para apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que restabeleça as regras suspensas por Gilmar: a possibilidade de cidadãos comuns pedirem impeachment de ministros; a possibilidade de apontarem crimes de responsabilidade em suas decisões; e a previsão de maioria simples no Senado (metade mais um dos presentes) para afastar um ministro do STF (o ministro derrubou a previsão de afastamento e exigiu maioria de 2/3 dos senadores para uma fase intermediária do processo, de aceitação da denúncia).
Pressionado, Alcolumbre emitiu nota sinalizando a possibilidade de aprovar uma PEC nesses moldes, que inscreva as regras do impeachment na Constituição.
“As prerrogativas do Poder Legislativo são conquistas históricas e fundamentais para a sociedade, e que eventual frustração desses direitos sempre merecerá pronta afirmação aqui, no Senado Federal, instância legítima de defesa dessas garantias. Se preciso for, inclusive, com a sua positivação na Constituição Federal, através de emendamento”, diz a nota de Alcolumbre.
À tarde, no plenário do Senado, ele leu a nota, dizendo antes que “ao longo de toda a manhã” recebeu manifestações de senadores “indignados e perplexos” com a decisão de Gilmar. Depois, agradeceu o “apoio institucional” dos colegas e afirmou que “na condição de presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, não hesitarei em defender todas as prerrogativas estabelecidas na nossa Constituição Federal”.
Na nota, Alcolumbre afirmou que a Lei do Impeachment, de 1979, prevê expressamente a possibilidade de cidadãos denunciarem ministros do STF por crimes de responsabilidade. “Eventuais abusos no uso desse direito não podem levar à anulação desse comando legal, muito menos por meio de decisão judicial”, disse.
Lembrou que existe projeto de lei no Senado para alterar as regras do impeachment e criticou a suspensão das normas existentes de forma monocrática, registrando ainda que o Senado já aprovou outra proposta de emenda à Constituição (PEC 8/2021) que proíbe ministros do STF de suspender leis com decisões individuais.
“Somente uma alteração legislativa seria capaz de rever conceitos puramente legais, sob pena de grave ofensa constitucional à separação dos Poderes”, disse ainda. “Não é razoável que uma lei votada em duas Casas Legislativas e sancionada pelo Presidente da República seja revista pela decisão de um único Ministro do STF”, completou.
Em outro momento da sessão, em tom de desabafo, Alcolumbre reclamou dos “muitos ataques e muitas ofensas” que tem sofrido nos últimos dias em razão de seus atos. Citou o agendamento da sabatina de Jorge Messias para o STF, a votação de vetos de Lula ao licenciamento ambiental e a aprovação da aposentadoria de agentes de saúde – uma “pauta-bomba”, com custo bilionário para o governo.
“É justo o Congresso brasileiro ser tratado e patrocinado por autoridades do Brasil como um Congresso inimigo do povo?”, disse, irritado – a expressão foi largamente usada pela esquerda e apoiadores do governo para criticar o Legislativo.
“Eu busco a moderação, eu busco a pacificação, eu busco o diálogo institucional, mas todos aqueles que tentarem usurpar as prerrogativas do Senado Federal a qualquer instante terão um Presidente do Congresso que vai à frente para defender a legitimidade do voto popular”, afirmou ainda.
Senadores apoiam Alcolumbre e defendem Senado no impeachment
Na sessão, diversos senadores expressaram apoio à queixa de Alcolumbre. O senador Cleitinho (Republicanos-MG) começou a coletar assinaturas para uma PEC que devolve aos cidadãos a possibilidade de pedir impeachment de ministros.
“O Senado está fechado para balanço. É isso que vai acontecer. Foi isso que o ministro Gilmar Mendes fez hoje com todos os Senadores e com a população brasileira. Pode pegar uma chave aqui e trancar o Senado, porque a nossa prorrogativa acabou”.
Já o senador Eduardo Girão (Novo-CE) pediu uma atitude imediata do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e defendeu urgência na tramitação da PEC de Cleitinho. “A reação tem que ser rápida. Já assinei a PEC do senador Cleitinho. O presidente do Senado tem que se posicionar com firmeza. Isso é um avanço sobre as prerrogativas do Senado. Esse, sim, é o verdadeiro golpe na democracia brasileira”, declarou.
Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que a decisão visa impedir o impeachment de Alexandre de Mores a partir de 2027, pela possibilidade de a direita fazer ampla maioria no Senado. “A vítima é um Poder da República, é um dos pilares da democracia”, afirmou. Lembrou que, no passado, se opôs a impeachment e investigação de ministros numa CPI, mas que estava buscando o “remédio errado”. “Estávamos buscando a ajuda daqueles que hoje estão mostrando que são os nossos verdadeiros algozes.”
Líder do PL, Rogério Marinho (RN) disse que “não é admissível que um ministro da Suprema Corte se coloque acima da Constituição, do Parlamento e do povo brasileiro”. Já o vice-líder do PP, Esperidião Amin (SC) disse que a decisão de Gilmar é para “castrar” o Senado.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), disse a Alcolumbre que estaria à disposição para votar, no colegiado, um projeto de lei do senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que cria uma nova lei do impeachment – a proposta mantém o poder de cidadãos para denunciar ministros e afastá-los do cargo.
Alencar lembrou que, recentemente, ministros do STF criticaram a “PEC da Blindagem”, proposta aprovada na Câmara e rejeitada no Senado que protegia parlamentares de ações criminais na Corte. “E agora eles se permitem a blindagem? Não é uma grande incoerência?”, protestou, quando a decisão de Gilmar de “inconsequente”.
Líder do MDB, Eduardo Braga (AM) disse que “o sistema de preso e contrapeso do Estado democrático de direito está sendo rompido e rasgado”, fazendo um apelo ao STF por harmonia e independência para “evitar uma crise institucional profunda”.
O líder do PSD, Omar Aziz (AM) disse que não esperava a decisão de Gilmar e que agora “é hora de agir”. “Se nós não nos respeitarmos, nós não deveremos ser respeitados por ninguém. O respeito a esta Casa tem que partir primeiro da gente, de nós. Nós temos que nos fazer respeitar. Ou nos fazemos respeitar ou, de quem muito se abaixa, o fundo aparece”, disse no plenário.
O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou que a decisão de Gilmar, ao invalidar a lei do impeachment, é “ato tipicamente ditatorial e autocrático que fere a Constituição e escarnece do Legislativo, tornando-o um poder figurativo”.
“O Senado tem o dever de reagir. Vamos discutir medidas legislativas, atualização da Lei 1.079 e normas regimentais que reafirmem a competência constitucional do Parlamento. A Mesa pode e deve regulamentar o rito de acordo com a Constituição, não com interpretações que esvaziam o controle republicano”, disse Jorge Seif (PL-SC).
Até senadores governistas, que atualmente apoiam fortemente o STF em razão da aliança com o governo Lula, viram a decisão de Gilmar Mendes com reservas.
O senador Humberto Costa (PT-RS) considerou equivocada a vedação de cidadãos apresentarem pedidos de impeachment. Para ele, a decisão do ministro acabou acelerando discussões que deveriam ser feitas com mais cautela no Congresso, como a PEC das decisões monocráticas e mudanças no rito do impeachment.
Deputados também reagem na Câmara e aprovam proposta que freia o STF
Na Câmara, parlamentares de direita também protestaram contra a decisão e anunciaram a apresentação de uma nova PEC para restabelecer a possibilidade de cidadãos denunciarem ministros do STF.
A proposta, apresentada pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), ainda proíbe interferência judicial no processo no Senado – o STF, nesse caso, não poderia reverter um impeachment de um ministro posteriormente. O procurador-geral da República também não poderia atuar no caso – pela decisão de Gilmar Mendes, a PGR teria exclusividade para denunciar um ministro.
Por fim, propõe que se 3/5 dos senadores assinarem um pedido de impeachment contra um ministro, o processo é iniciado, sem necessidade de ser autorizado pelo presidente do Senado.
“Ou este Congresso responde à altura ou tragam as chaves e fechem a casa do povo. No mínimo será o mais digno”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Luciano Zuco (PL-RS), ao detalhar o teor da proposta.
Bia Kicis (PL-DF) lembrou que não cabe ao procurador-geral denunciar crimes de responsabilidade dos ministros, mas sim crimes comuns. “O ministro Gilmar está legislando, mudando a lei a seu bel-prazer e vai levar isso a julgamento virtual. Sequer haverá debate sobre a matéria, estão banalizando questões importantíssimas. Espero que Davi Alcolumbre e o Senado se levantem, porque até agora estão de joelhos, e deem um basta”, afirmou a deputada.
À tarde, a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara aprovou um projeto de lei que impõe freios ao STF. A proposta acaba com o poder da Corte de criar normas provisórias, substituindo o Congresso, e de impor ao Poder Executivo medidas “estruturantes” — políticas públicas não previstas em lei.
Essas decisões ocorrem quando ministros do STF anulam, total ou parcialmente, uma lei, um decreto ou uma emenda constitucional, por considerarem que as normas em vigor contrariam a Constituição ou suas cláusulas pétreas e criam outras provisórias em seu lugar. Decisões normativas também têm sido proferidas quando a Corte entende que direitos constitucionais não são exercidos por ausência de regulamentação.
Analistas veem violação à Constituição e autoproteção para Senado de 2027
Para a professora de Direito Constitucional Vera Chemim, a decisão de Gilmar Mendes afronta os demais poderes e a cidadania, evidenciando escalada autoritária que põe em risco a democracia. Ela vê na medida o retrato do momento em que o STF ultrapassa limites institucionais para se blindar diante do risco de que, a partir de 2027, o Senado tenha maioria de direita. “Não há dúvida de que a próxima legislatura analisará pedidos de cassação, sobretudo contra Alexandre de Moraes”, diz.
Para a professora, ao impor o quórum de dois terços para o prosseguimento de um processo de impeachment — o mesmo exigido para o impeachment de um presidente da República —, Gilmar ignora a distinção constitucional entre agentes eleitos e membros do Judiciário, cuja natureza deveria ser técnica e apolítica.
“Se um ministro comete crime de responsabilidade, não há razão para exigir quórum especial”, diz, acrescentando que a liminar “atua em causa própria” e revela “desvio de finalidade”.
Ela também critica a proibição de denunciar ministros por causa de suas decisões. “Eles podem ser ativistas e decidir contra a lei à vontade, com autoproteção sobre o mérito de suas decisões?”, questiona. “O abuso está escancarado. A Corte não respeita mais qualquer lei e faz tudo o que acha necessário para eliminar a direita sob todos os aspectos”, afirma, prevendo que o plenário do STF deve referendar a liminar.
Para o cientista político Ismael Almeida, a decisão de Gilmar esvazia o poder do Senado para atender demandas legítimas da sociedade.
Ele lembra que a Constituição de 1988 não suprimiu a legitimidade popular para denunciar ministros prevista na Lei do Impeachment, editada em 1950. “Não há monopólio acusatório do Ministério Público na Constituição. O sistema de freios e contrapesos inclui o Legislativo como contrapeso também ao Judiciário”, sublinha.
A concentração da iniciativa nas mãos da PGR, cargo indicado pelo presidente da República, cria — segundo o especialista — um filtro político e conjuntural que pode inviabilizar por completo o controle institucional sobre ministros do STF.
Ele também rejeita a comparação com o rito de impeachment de presidente da República: enquanto o chefe do Executivo é submetido a um processo bicameral, com admissibilidade pela Câmara e julgamento pelo Senado, os ministros do STF têm seu processo integralmente conduzido pelo Senado, sem fase prévia.
Almeida ressalta ainda que a decisão incorre em confusão conceitual entre “recebimento” e “instauração” de processo. A etapa inicial no Senado, lembra, não implica julgamento nem afastamento automático — é apenas um ato de admissibilidade. “Tratar esse momento preliminar como ameaça institucional sugere, de forma equivocada, que a simples existência do instrumento intimida magistrados.”
O cientista político Paulo Kramer afirma que a decisão de Gilmar Mendes, embora especialmente grave, não chega a surpreender. “Somos um país pendurado em liminares monocráticas, o que transforma a segurança jurídica numa piada de mau gosto”, critica. Para ele, até mesmo o meio acadêmico vive hoje um ambiente de desorientação teórica e normativa, já que o que tem predominado no país é “o capricho do julgador”.
Kramer receia que a escalada de arbitrariedades do STF pode ameaçar até a disputa legítima pelo poder. “Podemos aguardar nova série de enormidades jurídicas, mediante as quais a juristocracia pretende reformatar regras do jogo para a próxima eleição, restringindo ao máximo o espaço de manobra das candidaturas conservadoras, quer majoritárias quer proporcionais”, diz.
Para o diretor da ONG Ranking dos Políticos, Juan Carlos Arruda, a decisão de Gilmar cria ambiente adverso ao funcionamento saudável das instituições. “Decisões como essa soam como convite perigoso ao confinamento do debate público. A democracia não pode ser submetida ao conforto das cúpulas nem virar refém de interpretações que blindam autoridades”, diz. “O poder que não admite controle degenera e a história é implacável com estruturas que se fecham sobre si mesmas”, afirma.
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