
A menos de um ano para as eleições, o plano de desencarceramento em massa elaborado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tende a perder tração — ou mesmo ser engavetado momentaneamente — em 2026, segundo avaliação de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Porém, o governo afirma que o projeto continua caminhando e não deve sofrer alterações em seu cronograma no próximo ano.
O plano prevê, entre outras medidas, soltar criminosos com “menor potencial ofensivo”, encarcerados por crimes não violentos. Isso ocorre em meio a cenários em que cresce a preocupação popular com a segurança pública. Por isso, para especialistas, o governo e o PT tendem a atenuar a medida para 2026 e a retomar com vigor, no caso de uma reeleição.
Para especialistas, isso já vinha sendo sentido ao longo de 2025 desde que levantamentos sucessivos indicaram que a segurança pública se manteve como o principal motivo de apreensão dos brasileiros. Na pesquisa da Quaest, realizada de 6 e 9 de novembro com 2.004 entrevistados em todo o país, a segurança teve 38% das menções e ultrapassou preocupações com economia, corrupção e problemas sociais. A margem de erro da sondagem é de dois pontos percentuais, com margem de confiança de 95%.
“Isso tudo em um cenário marcado pela expansão das organizações criminosas e pela pressão social por respostas imediatas. O governo se sente e será intensamente pressionado para responder de forma objetiva e caminhar com a política do desencarceramento seria um sinal que é leniente com criminosos”, alerta a doutora em Direito Público Clarisse Andrade.
Esse é um dos motivos pelos quais especialistas avaliam que o governo enfrentará dificuldades para sustentar pautas associadas ao chamado “direito penal mínimo”, tradicionalmente vinculadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) e às siglas de esquerda. A percepção também é compartilhada por analistas de diferentes correntes.
O criminalista Gauthama Fornaciari, o constitucionalista Alessandro Chiarottino e o coronel da reserva da Polícia Militar, o advogado Alex Erno Breunig convergem: em ano eleitoral, políticas de redução de penas ou desencarceramento não devem avançar sob pena de desgaste político, mas ficarão no radar no caso de uma eventual reeleição.
“Se a direita reassumir a presidência do Brasil, é pouco provável que o plano siga da forma como foi formatado, porque ele é extremamente prejudicial à pauta da segurança. As cadeias estão superlotadas, mas não é soltando presos que se resolve um problema crônico”, afirma Andrade.
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Como o plano de desencarceramento foi lançado
Lançado em fevereiro de 2025, o Plano Nacional recebeu o nome de Pena Justa. Ele nasceu como uma iniciativa conjunta do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de mais de cem instituições envolvidas na execução penal. A proposta surgiu como resposta ao reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de um “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional brasileiro, no âmbito da Ação Direta de Preceito Fundamental (ADPF 347).
Ao ser questionado sobre o acompanhamento do tema, o STF respondeu apenas que a reportagem deveria fazer contato com o CNJ. O Conselho Nacional de Justiça é o órgão do Judiciário que desempenha papel técnico e de acompanhamento da execução do plano e repassou o relatório mais recente, enviado ao STF em agosto de 2025 que indica limitações na aplicação.
O chamado Pena Justa tem o objetivo de reformular a aplicação e execução de penas. A iniciativa parte do diagnóstico de que o sistema prisional vive, segundo o STF, uma situação de violação generalizada de direitos e superlotação crônica. O programa quer reorganizar a política penal, reduzir “excessos do encarceramento” e garantir que as unidades prisionais ofereçam “condições mínimas de dignidade”.
Entre as ações previstas, o plano estabelece a ampliação de alternativas ao cárcere — especialmente para condenados por crimes sem violência —, como monitoramento eletrônico e outras medidas restritivas, que não a prisão.
Ele também determina que estados e o Distrito Federal assegurem acesso universal à educação e ampliem oportunidades de trabalho para pessoas presas e egressas, inclusive por meio de parcerias com órgãos públicos e obras federais. Além disso, prevê mecanismos de controle permanente da superlotação e certificação das condições de salubridade dos presídios.
O programa também inclui medidas de reintegração social, como cursos de capacitação, apoio profissional e acesso ao mercado de trabalho. Em outra frente, propõe parcerias com instituições financeiras públicas para estimular o empreendedorismo e facilitar o acesso ao microcrédito por ex-detentos e suas famílias. Essas políticas têm como finalidade reduzir a reincidência criminal e “quebrar ciclos de marginalização”.
O Pena Justa foi estruturado em quatro eixos centrais: (1) controle e racionalização das vagas no sistema prisional; (2) melhoria da infraestrutura e das condições de dignidade nas unidades; (3) fortalecimento das políticas de reintegração social após o cumprimento da pena; e (4) criação de mecanismos permanentes para impedir que as violações estruturais do sistema penitenciário se repitam.
“É um programa que o ministro da Justiça tenta levar como legado em sua administração, mas não se pode esquecer que ele prevê um desencarceramento elevado em um país que vê o crime avançar a passos largos”, alerta o investigador e especialista em segurança pública Sérgio Gomes.
Outro entrave é que cada estado deve elaborar seu próprio plano regional alinhado a essas diretrizes. Apesar de seus objetivos declarados, o programa tem gerado intenso debate político e jurídico e, nem governo nem CNJ estimam o número de presos que podem ganhar a liberdade no que se tem chamado de “humanizar o sistema prisional”.
“A decisão vem de cima para baixo. Como estados governados por opositores ao governo e que não são favoráveis à medida devem ser obrigados a implementá-lo?”, destaca Breunig.

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Projeto quer transformar gestão penal até 2027, mas avançou pouco em 2025
O projeto de desencarceramento tem como missão transformar a gestão penal brasileira até 2027, com foco no que denomina de “cumprimento legal da pena, na melhoria das condições de custódia e na ampliação de oportunidades de trabalho, estudo e assistência a pessoas privadas de liberdade”. O Ministério da Justiça disse em nota enviada à Gazeta do Povo que o plano também serve para fortalecer carreiras penais, investe em saúde mental de servidores e cria mecanismos para reduzir brechas de atuação de organizações criminosas dentro das prisões.
O projeto nacional se desdobra em 307 metas e 366 indicadores, que caminharam poco em 2025, distribuídos em quatro eixos. Alvo de críticas por governadores, sobretudo os de oposição, cada estado deve elaborar seus próprios planos, adaptando as diretrizes nacionais à realidade local — uma tentativa de conciliar coordenação federal com diferenças regionais.
Para o criminalista Gauthama Fornaciari, há falhas estruturais que comprometem a efetividade do plano. Ele diz que o Pena Justa constitui a primeira iniciativa nacional com metas explícitas para reconstruir o sistema prisional, mas considera sua execução “limitada por concepção e desenho”.
Para o doutor em Direito e comentarista político Luiz Augusto Módolo, o plano de desencarceramento caminha na direção oposta ao que países com baixas taxas de criminalidade têm adotado. “Países pacíficos têm penas elevadas e índices de homicídio muito inferiores aos do Brasil. Aqui seguimos o caminho contrário”, afirma.
Fornaciari destaca que o Brasil é uma federação e que o sistema prisional é majoritariamente administrado pelos estados. Por isso, iniciativas centralizadas em Brasília — ainda que respaldadas pelo CNJ e pelo Ministério da Justiça — enfrentam obstáculos. “Não adianta impor medidas de cima para baixo e isso vai pesar ainda mais em 2026, ano eleitoral”, afirma.
Ele critica ainda a ausência de participação direta de secretários estaduais de Administração Penitenciária e de presidentes das assembleias legislativas na gestão do plano. Para ele, a falta de corresponsabilidade explícita também comprometerá o alcance das metas.
O especialista argumenta que soluções duradouras exigiriam um modelo cooperativo, liderado pelos 26 estados e o Distrito Federal, com a União atuando em função de apoio técnico e financeiro, e não como gestora da política. “De nada vale a União exercer pressão política e jurídica ignorando as realidades locais. Isso costuma resultar em má alocação de recursos e impacto social limitado além de ter um reflexo negativo à população, sobretudo em ano eleitoral”, diz.
Para Módolo, o sistema penal brasileiro opera como um “sistema de milhagem”, no qual a pena aplicada não corresponde ao tempo efetivamente cumprido, favorecendo o desencarceramento. “A pessoa é condenada a 30 anos por homicídio, mas começa a ganhar reduções por resenhas de livros, por trabalhar — quando trabalhar deveria ser obrigação moral e jurídica para reparar o dano causado, então, na prática, ele nunca cumprirá sua pena total”, explica.
O jurista também destaca que existem problemas estruturais na progressão de regime, pois, na prática, quem chega ao semiaberto está “quase em casa”, devido à falta de colônias agrícolas e casas de albergado.
“O recado que se passa é muito ruim e o plano de desencarceramento reforça isso. Mas, como segurança é um assunto em alta no país, em 2026 ele deve dominar o debate político e ninguém vai querer desgastes. O governo tende a tirar o pé do acelerador e retomar com força no caso de uma reeleição”, avalia.
“O que se vê com o plano é uma condição absurda. Vem dizer que homicida ou traficante precisa de pena justa. Isso é rir da cara da sociedade”, completa.

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Monitoramento do CNJ revela avanços modestos
O relatório de monitoramento do Pena Justa, entregue pelo CNJ ao STF em agosto de 2025, reforça a percepção de que a execução ainda caminha de forma desigual pelo país, indicando uma possível perda de aderência em 2026. No bloco federal, apenas 12,4% dos indicadores medidos foram implementados. Nos estados, as taxas de execução variam entre 30% e 38% dependendo do eixo analisado.
O CNJ destaca que o primeiro ciclo estabelece a linha de base do plano e que a consolidação completa só será conhecida em fevereiro de 2026, quando os dados anuais forem validados.
“Acho pouco provável que isso caminhe de fato em 2026, porque não há dúvidas que a segurança pública estará no foco do debate político nas eleições e será um desgaste para o governo se mantiver a pauta do desencarceramento”, reforça o constitucionalista André Marsiglia.
Enquanto isso, o CNJ segue registrando disparidades: Ceará, Distrito Federal e Piauí aparecem com as maiores taxas de execução do Plano, mas estados como Paraná, Rio Grande do Sul e Sergipe aparecem na parte inferior do ranking.
A presença de organizações criminosas, segundo o diagnóstico, continua condicionada à vulnerabilidade estrutural de unidades superlotadas — a taxa média nacional de ocupação era de 1,35 pessoa por vaga, ou seja, uma penitenciária com capacidade para 100 presos acomodava, em média, 135. “Nem por isso significa que precisa soltar de forma indiscriminada e aleatória sob argumentos de terem cometido crimes de menor potencial ofensivo”, descreve Sérgio Gomes.
Para Módolo, essa combinação de decisões institucionais, visão política e políticas penais resulta em um cenário em que o endurecimento contra o crime perde espaço e propostas de punição mais rigorosas são substituídas por medidas que, em sua avaliação, beneficiam o infrator em detrimento da vítima.
A pressão eleitoral e o desconforto do PT
Para o constitucionalista Alessandro Chiarottino, a posição do governo Lula será delicada quanto à proposta defendida pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, sobre uma política de desencarceramento. Ele afirma que o PT historicamente defende pautas vinculadas ao “direito penal mínimo”, que não encontram aderência majoritária na população, principalmente em um momento de crescente preocupação com violência, com o crime organizado e a sensação de insegurança.
Chiarottino avalia que o governo terá dificuldade para defender abertamente medidas associadas ao desencarceramento, mas também deverá permanecer “atento para não perder apoio na base tradicional”. “É um tema eleitoralmente desfavorável para o partido, deve ficar de lado no ano que vem ou vai pesar sob uma possível candidatura à reeleição”, diz.
Ao mesmo tempo, especialistas analisam que adotar um discurso mais alinhado à direita resultaria em desgaste entre setores ditos progressistas. “Será um item delicado a se tratar. O governo realmente está uma posição desconfortável”, resume.

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Viés político e retração das pautas de redução penal
O coronel da reserva da PM e advogado Alex Erno Breunig, integrante da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares, reforça que não há dúvidas que a segurança pública será “tema central das campanhas eleitorais em 2026”. Ele afirma que operadores da segurança reconhecem a necessidade de mudanças nas políticas carcerárias, mas vê um ambiente político pouco favorável.
O advogado considera que o governo federal deve tentar ocultar posições anteriores tidas como mais brandas no combate à criminalidade. Como exemplo, cita a sanção da Lei 15.272, de novembro de 2025, que altera regras das audiências de custódia e tenta reduzir o que chama de “prisão desportiva”, em que a pessoa é presa e logo é liberada sem maior triagem. Para ele, trata-se também de um movimento estratégico para atender a demandas eleitorais.
Questionado se acredita que políticas de redução penal tendem a ser engavetadas em 2026, o coronel é direto. “Não acredito em impulsionamentos, não será nada vantajoso politicamente levar a medida adiante com força, porque a população claramente quer e espera respostas ao crime organizado, não em favor dele”.
Ministério da Justiça defende continuidade técnica do plano
O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Administração Penitenciária (Senappen), sustenta que o Pena Justa cumpre determinação expressa do STF e segue parâmetros definidos pela Lei de Execução Penal. A pasta reforça que o plano foi construído com participação ampla — resultando em 317 documentos e mais de 5,9 mil contribuições — e que “permanece em execução, independentemente de disputas eleitorais”.
Segundo a pasta, o objetivo central é garantir que o cumprimento da pena se dê “com legalidade, assistência e oportunidades de reintegração, reduzindo reincidência e fortalecendo o combate às organizações criminosas dentro do sistema”. O MJ afirma ainda que o plano valoriza carreiras penais, cria rede de apoio às vítimas e fortalece mecanismos de prevenção de crises.
Enquanto a política nacional continua sendo monitorada pelo CNJ, o MJSP destaca que todos os estados devem entregar seus próprios planos, adequando cada meta às particularidades regionais. Para Fornaciari, a tendência é de discursos intensos e ações tímidas em 2026. “Teremos muitos congressos, reuniões e relatórios, mas acredito que pouco impacto efetivo”.
Chiarottino reforça que o tema coloca o governo em uma encruzilhada política. Breunig, por sua vez, considera impossível avançar em políticas de redução penal num cenário em que “a segurança pública é a principal preocupação dos brasileiros”.
Para os analistas, o Pena Justa entra em 2026 pressionado por dois mundos: o da suposta urgência técnica e o das escolhas eleitorais. “Tudo indica que a agenda de desencarceramento, embora prevista em documentos oficiais, deverá atravessar o ano em marcha lenta ou estacionar de vez até o fim do ciclo eleitoral”, afirma Sérgio Gomes.
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