
A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de indicar o advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF) deflagrou uma crise imediata no Senado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), até então um dos principais aliados do Planalto, reagiu publicamente e passou a pautar projetos que contrariam o governo — movimento interpretado dentro do Congresso como retaliação direta ao Palácio do Planalto.
Horas após a indicação de Messias, Alcolumbre anunciou que colocará em votação, a partir desta terça-feira (25), o projeto que regulamenta a aposentadoria especial de agentes comunitários de saúde e de combate às endemias. A proposta, de autoria de Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), garante integralidade e paridade — com impacto fiscal estimado pelo Ministério da Fazenda em mais de R$ 20 bilhões em dez anos.
Além disso, o Senado vai discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue a reeleição para cargos do Executivo (prefeitos, governadores e presidente) a partir de 2028. Segundo o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), Lula já havia manifestado explicitamente ser contra a proposta.
“A introdução da reeleição [foi] completamente contrária a toda a nossa tradição republicana. Eu acho que está mais do que na hora de colocarmos fim a este mal”, afirmou Castro, ressaltando que a mudança não valerá para os atuais mandatários, que poderão tentar a reeleição em 2026 se estiverem no primeiro mandato.
Aliado do governo Lula, o senador Otto Alencar (PSD-BA) disse que a reeleição é “um dos piores males para o Brasil” e lembrou até que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo governo propôs a mudança, “fez mea-culpa” e admitiu que foi um erro. Alencar avaliou que a nova PEC será importante para o país.
“Quando terminam as eleições municipais, se fala imediatamente na sucessão do governador e do presidente da República. Discute-se mais eleição do que projetos benéficos à solução das dificuldades sociais do povo brasileiro e do crescimento da infraestrutura”, disse.
A proposta enfrenta forte resistência por parte do presidente Lula, que já defendeu que o prazo de apenas um mandato é pequeno para que um político consiga cumprir seu plano de governo ou entregar grandes obras. No final do ano passado, durante um jantar com senadores, o petista também avaliou que “grandes” democracias exercem o direito à reeleição e apenas “países menores”, com PIB baixo e pouca tecnologia, não permitem essa possibilidade.
Prisão de Bolsonaro renova luta por anistia e oposição exigirá votação nesta semana

CPMI quer questionar Messias sobre sindicato do irmão de Lula antes da sabatina para o STF
Messias enfrenta risco de derrota e Alcolumbre rompe com líder do governo
A insatisfação de Alcolumbre não se limita ao nome escolhido por Lula para o STF, mas ao processo. O senador defendia a indicação de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seu aliado, e informou a interlocutores que rompeu com o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), por se sentir excluído das negociações.
A crise interna se agrava porque, mesmo antes da reação de Alcolumbre, Messias já não contava com os 41 votos necessários para aprovação. Com o presidente do Senado assumindo postura de oposição aberta, o cenário se torna ainda mais complexo para o Planalto.
Mesmo dentro do PT, há consenso de que Messias chega ao Senado sem o número mínimo de votos necessários para aprovação. Apesar disso, a avaliação entre os governistas é de que o escolhido de Lula deverá trabalhar intensamente nas próximas semanas para angariar apoios entre os senadores.
Aliados de Alcolumbre e da oposição, no entanto, defendem acelerar todo o rito: marcar a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e votar no plenário no mesmo dia, para evitar que o governo reorganize sua base. Além da resistência de Alcolumbre, Messias deve encarar um ambiente político mais hostil no Senado, agravado pela prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no sábado (22).
Os governistas avaliam que a prisão do ex-mandatário irá tensionar ainda mais o cenário em Brasília, intensificando a pressão sobre Messias. Por isso, aliados de Messias já antecipam que a detenção de Bolsonaro será um dos principais temas dos questionamentos levantados pelos senadores durante a sabatina e nas conversas prévias.
Para tentar diminuir o tensionamento, Messias divulgou nesta segunda-feira (24) uma nota na qual afirmou que reconhece e louva “o relevante papel que Alcolumbre tem cumprido como integrante da Casa, que agora preside pela segunda vez, atuando como autêntico líder do Congresso Nacional, atento a elevados processos decisórios, em favor de nosso país”.
“Durante um período significativo de minha carreira, fui acolhido pelo presidente Davi para trabalhar no Senado Federal, onde, próximo aos demais membros daquela Alta Casa Legislativa, aprendi a dimensionar a atividade política como um espaço nobre de definição de rumos e administração de conflitos em nossa sociedade”, disse.
Em resposta, Alcolumbre afirmou que tomou conhecimento “com respeito institucional” da manifestação “do indicado ao Supremo Tribunal Federal”. Segundo o senador, a indicação será analisada “no momento oportuno”, sem nem citar Messias pelo nome.
O rito de indicação ao STF começa com a leitura do ofício na Mesa Diretora, presidida por Alcolumbre, que envia o nome à CCJ. A partir daí, o cronograma passa às mãos do presidente da comissão, Otto Alencar (PSD-BA). A data da sabatina, no entanto, dependerá de negociações políticas — agora atravessadas pelo desgaste entre governo e Senado.
A preocupação no Planalto cresceu após a votação apertada que manteve Paulo Gonet na Procuradoria-Geral da República (PGR), aprovado com apenas quatro votos acima do mínimo necessário. A avaliação é que Lula terá de entrar pessoalmente em campo para garantir a nomeação de Messias.
O analista político e diretor do Ranking dos Políticos, Luan Sperandio, afirma que a Casa Alta está mais assertiva e não aceita mais um papel meramente homologatório nas indicações.
“O Senado está mais disposto a exercer protagonismo e a impor filtros mais rigorosos às indicações ao sistema de Justiça. Os senadores não pretendem apenas chancelar nomes do Executivo, especialmente quando se trata de um cargo que ganhou enorme relevância nos últimos anos”, destacou.
Sperandio avalia que esse movimento terá impacto direto sobre a campanha de Messias para o STF. “A campanha de Jorge Messias precisará ser muito bem conduzida. Em Brasília, costuma-se falar no tradicional ‘beija-mão’: rounds de conversas individuais, visitas, audiências, participação em eventos e jantares de bastidor que ajudam a consolidar apoios nessas circunstâncias. Quando esse esforço não ocorre, o custo político aumenta, e o placar tende a refletir isso”, completou.
Para o cientista político Alexandre Bandeira, a indicação de Messias tende a repetir o clima visto na sabatina do procurador-geral Paulo Gonet, que por pouco não foi rejeitado, aprovado com apenas quatro votos a mais do que o necessário.
“Messias deve passar por um processo muito similar. O governo só levará seu nome à sabatina quando houver garantia de votos suficientes para aprovação. A lição de Gonet foi clara: é preciso articulação política prévia e negociação dentro do Senado”, explicou.
Pacheco ameaça palanque de Lula e oposição intensifica campanha contra indicado ao STF
Parlamentares próximos ao senador Rodrigo Pacheco afirmam que Lula o comunicou da decisão de indicar Messias antes da divulgação oficial. Ainda assim, o mineiro demonstrou incômodo e disse a aliados que “a página estava virada” sobre sua ida ao STF. Ele também sinalizou aos seus pares que não pretende disputar o governo de Minas Gerais em 2026, apesar do desejo do Planalto.
Pacheco é a aposta de Lula para ter um palanque no estado mineiro, segundo maior colégio eleitoral e visto como um dos mais importantes para uma disputa presidencial. Além do risco de perder a aliança com Pacheco, Lula viu a campanha contra Jorge Messias se intensificar nos últimos dias.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), criticou sua suposta omissão em fraudes contra aposentados do INSS. Ele também destacou que Messias tem apenas 45 anos e permaneceria por três décadas na Corte.
No Senado, Rogério Marinho (PL-RN) acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Comissão de Ética da Presidência, pedindo investigação contra o indicado de Lula para o STF. A acusação é de que o AGU teria ignorado alertas formais sobre descontos associativos irregulares em benefícios previdenciários — tema sob apuração na CPMI do INSS.
“O governo Lula sabia, foi alertado e cruzou os braços enquanto entidades politicamente alinhadas continuavam roubando os aposentados. A omissão deliberada da AGU feriu a ética, a legalidade e o dever de proteger o interesse público. Por isso, recorremos aos órgãos de controle para assegurar que quem escolheu proteger aliados, e não os aposentados, responda por seus atos”, destacou Rogério Marinho.
Com relação à possível omissão da AGU no caso do sindicato do irmão de Lula, o órgão informou à Gazeta do Povo na semana passada que a inclusão das entidades no primeiro pedido cautelar dependeu de indícios concretos identificados pela CGU e pela PF — especialmente pagamento de propina e caráter de fachada.
Segundo a AGU, o Sindnapi não constava nos elementos iniciais repassados pela CGU e os novos pedidos de bloqueio decorrem da abertura de 40 novos Processos Administrativos de Responsabilização (PARs) pela CGU no início do mês. Após a abertura dos novos PARs, uma equipe especial da AGU passou a “analisar, com prioridade” a adoção de novas ações judiciais.
O órgão afirma ainda que já conseguiu decisões de bloqueio que somam R$ 2,8 bilhões, envolvendo veículos, imóveis e valores de contas de consultorias, sindicatos e dirigentes.
Disputa por vaga no STF cresce com avanço do “protagonismo” judicial
Para o constitucionalista Álvaro Palma de Jorge, professor da FGV Direito Rio, o debate sobre a escolha do presidente vem na esteira do protagonismo do STF, que potencializou o nível de disputa em torno das indicações.
“Nos últimos anos, muito em razão do protagonismo que o STF passou a exercer, vimos crescer também a disputa em torno das indicações para a Corte. É natural que cada grupo político tente cacifar o seu preferido, buscando demonstrar força e apoio para viabilizar a nomeação”, disse.
Segundo Jorge, embora a decisão final seja discricionária do presidente da República, ela não é exclusiva, porque depende da vontade política do Senado para aprovar ou não o indicado. “Por isso existe tanta costura de apoios: quem chega ao Senado sem essa articulação corre o risco real de não ser aprovado. Trata-se de uma dinâmica que envolve vários atores e múltiplos interesses”, completou.
📢 Belford Roxo 24h – Aqui a informação nunca para
📞 WhatsApp da Redação: (21) 97915-5787
🔗 Canal no WhatsApp: Entrar no canal
🌐 Mais notícias: belfordroxo24h.com




