
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que decretou o trânsito em julgado no processo contra Jair Bolsonaro (PL) e outros seis réus do Núcleo 1 na ação penal da tentativa de golpe, determinando o início imediato do cumprimento da pena do ex-presidente de 27 anos e três meses de prisão, provocou reação entre juristas, advogados e analistas.
Isso ocorre, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, não apenas pelo rigor da punição, mas também pela velocidade com que o caso foi concluído e pela forma como a execução da sentença ficou concentrada nas mãos do próprio relator.
Eles apontam contradições, aceleração processual e medidas de controle excepcionais que, combinadas, criam um conjunto de decisões sem paralelo recente na Justiça brasileira. A seguir, os principais pontos questionados por analistas.
- Múcio diz que prisão de Bolsonaro e generais encerra ciclo “doloroso”
- Como o STF relacionou a vigília ao risco de um novo 8 de janeiro
1. O trânsito em julgado declarado de forma imediata, antes mesmo da publicação final
No campo processual, o passo mais questionado foi a decisão monocrática de Moraes de declarar o fim do processo — o chamado trânsito em julgado — e determinar o início da pena no mesmo ato.
O constitucionalista André Marsiglia criticou ao afirmar que o ato antecipa etapas e desrespeita garantias processuais. Segundo ele, a medida foi tomada “embora ainda caibam recursos, inclusive embargos infringentes”, o que configuraria uma interrupção precoce do devido processo legal. Tradicionalmente, a Justiça só encerra um processo após a publicação do acórdão e do prazo final para todos os recursos.
“Moraes concluiu que não havia mais recursos válidos, dispensando essa formalidade e isso encurtou o tempo natural de tramitação e acelerou de forma inédita o encerramento do caso, reforçando a percepção de que a decisão buscava impedir novas ações da defesa”, afirma.
Pena de Bolsonaro tem mais rigor e controle que a de Lula em 2018

Silenciado e preso pelo STF, Jair Bolsonaro seguirá como “fiador” da direita em 2026
2. A ordem monocrática para início imediato do regime fechado no mesmo despacho
Além de declarar o fim do processo, Moraes determinou, na mesma decisão monocrática, o início do cumprimento da pena em regime fechado. Criminalistas ouvidos pela reportagem enxergam nisso um passo extra de concentração de poder e uma compressão das etapas normais do sistema penal — algo que raramente ocorre em casos de grande repercussão, nos quais a cautela costuma, ou deveria, ser maior.
“Em geral, essa etapa é conduzida por um juiz da execução penal, que avalia aspectos práticos e logísticos. Aqui, todo o procedimento foi concentrado em uma única decisão do relator, que será o juiz da execução penal também”, diz o doutor em Direito Luiz Augusto Módolo.
Para o criminalista Gauthama Fornaciari, há risco de supressão de garantias básicas. “Está havendo um cerceamento do direito de defesa”, disse, ao avaliar o uso sucessivo de decisões unilaterais em medidas de alto impacto.
Ele explica que, em situações nas quais uma decisão monocrática causa prejuízo ao réu ou à defesa, existe um instrumento próprio para contestação. “Geralmente, da decisão monocrática que causa prejuízo à defesa, é possível interpor agravo regimental para o colegiado”, afirma. Esse recurso permitiria aos ministros revisitarem a decisão tomada individualmente pelo relator.
Moraes evitou o agravo submetendo sua decisão diretamente a referendo da Primeira Turma. Por unanimidade, os demais ministros referendaram o trânsito em julgado e o início do cumprimento da pena.
Apesar disso, o advogado reconhece que, no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça, decisões individuais não são incomuns — embora o contexto atual amplifique as controvérsias. “No STF e no STJ, o comum é que muitas questões sejam decididas monocraticamente pelo relator”, lamenta.

Moraes determina perda do mandato de Ramagem; Motta diz que vai analisar ordem
3. A classificação prévia de eventuais recursos de Bolsonaro como “protelatórios”
Outro ponto que despertou críticas foi a justificativa usada para encerrar o caso: a defesa havia apresentado embargos considerados inadmissíveis porque o julgamento do STF teve apenas um voto pela absolvição — e não dois, como preveem as regras do Supremo.
Moraes concluiu que esse tipo de recurso seria apenas uma forma de atrasar o cumprimento da pena, classificando-o imediatamente como protelatório. “Rotular de antemão um recurso como manobra e usá-lo como motivo para acelerar o trânsito em julgado, reforça a percepção de que a decisão foi tomada com rigor acima do padrão”, destaca o professor e constitucionalista Alessandro Chiarottino.

Moraes comunica TSE sobre inelegibilidade de Bolsonaro até 2060; entenda
4. A centralização do controle das visitas e da rotina de prisão no próprio STF
A decisão do ministro, referendada pela Primeira Turma, também concentra na figura do ministro Alexandre de Moraes o controle sobre visitas ao ex-presidente Bolsonaro. Segundo o documento, todas as visitas precisam ser autorizadas previamente pelo magistrado — com exceção apenas dos advogados e médicos.
“Esse nível de ingerência direta do STF é incomum. Normalmente, detalhes do dia a dia do preso ficam a cargo da Vara de Execuções. Aqui, o controle permanece nas mãos do relator que condenou o réu, o que acentua críticas sobre excesso de centralização e personalização de decisões”, alerta Marsiglia.
Outro ponto que gerou controvérsia foi a quantia fixada para reparação de danos morais coletivos: R$ 30 milhões, a serem pagos solidariamente pelos condenados. Embora a lei permita reparação dentro de processos criminais, o valor foi considerado extraordinariamente alto.
O caráter exemplar — utilizado como argumento para reforçar a gravidade da conduta — é visto por analistas como uma segunda camada de punição, agora financeira, que ultrapassa a função original da reparação.
“A quantia reforça a sensação de que a decisão buscou simultaneamente punir e sinalizar politicamente. Foi uma punição à direita no Brasil”, diz Módolo. Já Fornaciari pondera que essa aplicação é atípica. “Em tese, seria uma matéria de eventual ação civil pública, até para se contestar o valor.”

Moraes determina que STM julgue perda de patentes de militares condenados

Direita aponta trânsito em julgado contra Bolsonaro como marco do fim da democracia no Brasil
Decisão abre brechas para reversão judicial a Bolsonaro e outros réus
Para os especialistas, as decisões de Alexandre de Moraes adotam rigor máximo, tanto na interpretação dos crimes quanto na condução acelerada do processo e no controle sobre a execução da pena. “Alguns pontos descritos formam um cenário atípico no Judiciário brasileiro marcado por punição elevada, rapidez incomum e forte concentração de autoridade no gabinete do próprio relator”, destaca Módolo.
Gauthama Fornaciari entende que assim ficam brechas significativas que ainda podem ser questionadas pelas defesas — inclusive com potencial para anular a decisão.
Questionado se os pontos controversos levantados ainda podem ser atacados pelas equipes jurídicas, o criminalista é direto. “Entendo que sim.” Segundo ele, as medidas adotadas no processo apresentam vícios graves. “Cerceamento de defesa gera nulidade absoluta da decisão”, afirmou.
O advogado foi além e classificou o ato do ministro como algo fora dos parâmetros normais do Direito. “Estamos diante de uma decisão teratológica”, disse, utilizando o termo técnico aplicado a decisões consideradas “absurdas, ilegais ou absolutamente incompatíveis” com o ordenamento jurídico.
O especialista lembrou que o próprio STF já criou precedentes para lidar com situações desse tipo. “A jurisprudência do STF já admitiu o conhecimento excepcional de habeas corpus nesses casos absurdos e de ilegalidades flagrantes”, destacou, sugerindo que esse pode ser um dos caminhos possíveis para as defesas daqui em diante.

Processo do golpe: Torres quer cumprir pena na PF; outros réus apresentam novos recursos
📢 Belford Roxo 24h – Aqui a informação nunca para
📞 WhatsApp da Redação: (21) 97915-5787
🔗 Canal no WhatsApp: Entrar no canal
🌐 Mais notícias: belfordroxo24h.com









