
Mencionada pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump como “um grande escândalo ambiental”, a Avenida da Liberdade, em Belém do Pará, nasceu da promessa de melhorar a mobilidade urbana antes da COP 30. A via, no entanto, acabou se tornando símbolo das contradições entre discurso ecológico e práticas de governo.
Concebida pelo governo do estado do Pará para agilizar o deslocamento entre o centro da capital a municípios vizinhos, a obra já consumiu cerca de R$ 150 milhões e provocou a derrubada de árvores em plena Amazônia. A obra foi apresentada pelo governador Helder Barbalho (MDB) como “um marco de modernização e integração urbana”. Segundo o governo estadual, a avenida reduzirá em até 40 minutos o tempo médio de deslocamento.
A melhoria da mobilidade tem um custo ambiental que foi usado por Trump para ironizar o discurso de preservação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O traçado atravessa áreas de floresta, igarapés e zonas de proteção de mananciais, próximas ao Parque Estadual do Utinga e à comunidade quilombola do Abacatal.
Ambientalistas e lideranças locais afirmam que o projeto ameaça ecossistemas frágeis e viola compromissos de preservação justamente no momento em que o Brasil se apresenta ao mundo como referência climática. Isso contradiz a retórica de Lula, que usa a bandeira do ambientalismo para se promover internacionalmente, segundo analistas.
A obra ainda é alvo de uma ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Pará, que afirma que uma população tradicional ribeirinha está sendo impactada pelas obras.
Em publicação na rede Truth Social, Trump acusou o governo brasileiro de devastar a Amazônia para fins políticos. “Eles devastaram completamente a Floresta Amazônica no Brasil para construir uma rodovia de quatro faixas para ambientalistas circularem. Virou um grande escândalo!”, escreveu o presidente norte-americano.
Trump já tomou medidas em favor da ecologia nos EUA, mas não é conhecido por defender a pauta ambiental. Em seus mandatos, ele retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, um tratado internacional para combater as mudanças climáticas, e decidiu não participar da COP 30. Analistas apontam que sua publicação na Truth Social pode ser lida nas entrelinhas como uma forma de apontar hipocrisia nas falas do governo brasileiro.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), rebateu as críticas e provocou Trump. “Em vez de falar de estradas, o presidente norte-americano deveria apontar caminhos contra as mudanças climáticas”, escreveu Barbalho. Ele destacou ainda a redução histórica do desmatamento na Amazônia, com destaque para o Pará, e sugeriu que Trump “siga o exemplo do Governo do Brasil e invista mais de US$ 1 bilhão para salvar florestas no mundo”.
Apesar do discurso de redução de desmatamento, o governo do Pará não apresenta dados sobre a supressão de vegetação feita durante a obra. Em nota, divulgada em março, o governo afirmou ainda a obra está sendo construída por onde passa um linhão de energia e que “o traçado segue justamente a faixa onde a vegetação foi anteriormente suprimida”. Além disso, materiais de informação divulgados pelo governo, admitem alterações na vegetação e apontam que o projeto executado reduziu em 30% a supressão que seria necessária com o traçado original.
A Gazeta do Povo questionou o governo do Pará sobre a quantidade de 100 mil árvores derrubadas para a construção da estrada mencionada por Trump, bem como sobre o plano de compensação ambiental adotado, mas não recebeu retorno até o fechamento da matéria.
Segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) desenvolvido pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), a Avenida da Liberdade está sob a chamada área de influência de mais de 1.500 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs), que pela legislação brasileira deveriam permanecer protegidas. Isso não significa, necessariamente que toda essa área foi desmatada, mas que ficou sob risco de impacto e, portanto, precisa de medidas compensatórias.
- Em meio à COP 30, Trump ironiza ambientalistas e diz que obra em Belém virou “grande escândalo”
- Contradições do governo, ausência de líderes e problemas locais deixam COP 30 em descrédito
Estrada no meio da floresta diminui tempo de deslocamento em 12 minutos
O episódio das críticas de Trump expôs a vulnerabilidade da narrativa climática brasileira diante de obras de impacto. Assim, a estrada no meio da floresta amazônica transformou-se em símbolo internacional da contradição entre discurso verde e prática governamental.
A despeito da derrubada de árvores, o governo estadual tem buscado enfatizar que o projeto incorpora medidas de preservação ambiental como inclusão de 34 passagens de fauna para garantir a segurança dos animais que vivem na área e evitar o acesso deles à via. “Estamos comprometidos com o avanço das obras respeitando a legislação ambiental e a preservação da fauna e flora locais”, afirmou o secretário Adler Silveira, da Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra), em textos publicados na internet pelo governo do Pará.
Além disso, a redução estimada de emissões de gases tem sido destacada. “O tempo de deslocamento, que hoje é de cerca de 52 minutos, entre a BR-316 até a Alça Viária, será reduzido para 12 minutos pela Avenida Liberdade, assim como a emissão de gás carbônico (CO²) terá uma redução de 17.7 toneladas por ano, equivalendo a uma floresta equivalente a 45 estádios do Mangueirão em área verde não afetada”, afirmou também Silveira, em audiência pública realizada em dezembro de 2024. A informação se refere a um estádio que fica em Belém e tem lotação máxima de 65 mil pessoas.
Governo do Pará desvincula estrada mencionada por Trump de obras da COP 30
A Avenida da Liberdade faz parte de um pacote de investimentos de infraestrutura estimado em R$ 150 milhões. De acordo com a Secretaria de Transportes, cerca de 80% da obra já foi concluída e a entrega está prevista para o primeiro trimestre de 2026. A promessa é que a via se torne uma alternativa à congestionada BR-316 e à Avenida Almirante Barroso, principais eixos de entrada e saída de Belém.
A construção da Avenida da Liberdade foi anunciada pelo governo do Pará em 2020. Apesar disso, o início da construção foi oficializado somente em junho de 2024, quando também foi feita a entrega da licença ambiental do projeto, expedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).
O governo estadual e a Secretaria Extraordinária para a COP30, vinculada à Casa Civil da Presidência da República do Brasil, negam qualquer relação entre a estrada criticada por Trump e a COP30. Mas o cronograma acelerado coincidiu com os preparativos para o evento.
Além disso, um dos prazos apresentados pelo governo do Pará previa a entrega das obras um mês antes da conferência mundial. A afirmação foi feita em abril, pelo governador do Pará, Helder Barbalho, durante a inauguração de uma outra obra. “Até o final de outubro, vamos inaugurar essa nova via expressa de 13 km que interliga a Alça Viária à Universidade Federal do Pará”, afirmou Helder. No entanto, o cronograma foi alterado, sem maiores explicações.
Ao final da obra, a Avenida Liberdade terá 13,30 quilômetros de extensão, com duas faixas em cada sentido e acostamentos de 2,50 metros de cada lado. O governo do Pará afirma que a rodovia também contará com faixas exclusivas para ciclistas, pavimento ecológico na ciclovia e iluminação fornecida por energia solar. A via expressa ligará o bairro da Terra Firme, em Belém, até a chamada Alça Viária, no município de Marituba, passando por Ananindeua.
Rua da Marinha também foi alvo de críticas por derrubada de árvores para duplicação
As obras na Rua da Marinha, no bairro do Reduto, uma das áreas históricas de Belém, também enfrentou críticas pelo impacto ambiental em meio aos debates sobre a conferência mundial sobre o meio ambiente. O projeto, no valor de mais de R$ 250 milhões, duplicou a rodovia, avançando sobre uma área verde da capital do Pará, o Parque Ambiental Gunnar Vingren.
Diferente da obra da estrada mencionada por Trump, a duplicação da Rua da Marinha é uma das obras de infraestrutura incluídas no pacote da COP30 e teve como objetivo facilitar o deslocamento de moradores e visitantes, integrar diferentes regiões da cidade e contribuir para a mobilidade durante o evento.
Em novembro de 2024, a obra chegou a ser alvo de uma decisão da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas. Nela, o juiz Raimundo Santana, deferiu a liminar para a ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e determinou a paralisação imediata da obra por divergências quanto ao licenciamento ambiental. Na decisão, o juiz destacou a supressão de cerca de 34 hectares de vegetação e considerada uma ameaça grave ao ecossistema.
O imbróglio foi vencido após o Tribunal de Justiça do Pará derrubar a liminar que suspendia a obra da Rua da Marinha, autorizando a retomada dos trabalhos no local. O argumento utilizado foi que a obra era “crucial para a mobilidade urbana de Belém, beneficiando toda região”.
📢 Belford Roxo 24h – Aqui a informação nunca para
📞 WhatsApp da Redação: (21) 97915-5787
🔗 Canal no WhatsApp: Entrar no canal
🌐 Mais notícias: belfordroxo24h.com



