
A ida do ministro Luiz Fux para a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tem efeitos políticos e institucionais que ultrapassam uma simples troca de assento. A mudança aproxima o magistrado de um grupo de perfil mais garantista e tende a reconfigurar o equilíbrio interno da Corte. Segundo juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, a movimentação também reduz o impacto da próxima nomeação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre as decisões do tribunal, ao deslocar a futura indicação para a Primeira Turma.
Sobre a questão, a avaliação do constitucionalista André Marsiglia e do doutor em Direito e comentarista político Luiz Augusto Módolo é de que há natureza estratégica, já que o próximo ministro indicado por Lula, para o lugar de Luís Roberto Barroso, que anunciou aposentadoria, ocupará a vaga aberta na Primeira Turma. Ou seja, o novo ministro integrará um colegiado que já está alinhado ao governo.
“Assim, o impacto ideológico dessa futura nomeação será menor. A mudança de Fux, nesse sentido, atenua a capacidade do Executivo de alterar o equilíbrio do tribunal”, avalia Marsiglia.
Fux solicitou ao presidente do Supremo, Edson Fachin, na segunda-feira (20), a mudança para a Segunda Turma, composta atualmente por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça e Nunes Marques — os dois últimos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Fachin autorizou a transferência na quarta-feira (22). Até então, Fux integrava a Primeira Turma, com Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin — os três últimos indicados pelo presidente Lula em diferentes mandatos.
Para Marsiglia, trata-se de uma decisão de Fux com peso político e institucional, capaz de alterar o equilíbrio interno da Corte. A mudança é vista como estrategicamente acertada por Módolo, especialmente se o magistrado adotar uma postura mais próxima do liberalismo e da defesa das liberdades constitucionais.
“Caso Fux resolva, de fato, adotar algumas posturas alinhadas com o liberalismo e com as liberdades previstas na Constituição, ele fez um bom movimento. Ao menos na nova Turma, ele consegue formar uma maioria ocasional com André Mendonça e Nunes Marques”, ressalta.
André Marsiglia reforça que a Primeira Turma está, na prática, sob a liderança do ministro Alexandre de Moraes, tendo quase todas suas decisões monocráticas mantidas pelos colegas, o que demonstraria seu domínio sobre o colegiado. “A maioria dessas decisões está relacionada a inquéritos, e Moraes concentra boa parte dessas relatorias, o que reforça sua influência”, observa o jurista.
Assim, a ida de Fux para a Segunda Turma pode reconfigurar a correlação de forças no Supremo. “Ao lado de Nunes Marques e André Mendonça, Fux ajudará a formar uma maioria de perfil mais garantista, com uma leitura mais estrita da Constituição e menos inclinada a expandir o poder punitivo do Estado”, acredita Marsiglia. Nessa turma, diz ele, o ministro terá um papel de “peso real” nas deliberações, algo que não se verificava na Primeira Turma, “mais consolidada sob a orientação de Moraes” e de nomes ligados ao governo petista.
Módolo pondera que essa eventual aliança com Nunes Marques e Mendonça não será automática nem ideológica. “Precisamos lembrar que eles não são votos sólidos em toda e qualquer questão ligada à direita. E, convenhamos, é assim que deve ser um juiz. São pessoas com suas formações e convicções próprias — não o que um simpatizante da direita espera que eles sejam”, destacou.
Já na Primeira Turma, o ministro Flávio Dino – indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) -, por exemplo, proferiu decisões consideradas favoráveis ao governo. Chegou a determinar em 2024 a suspensão de emendas parlamentares para corrigir distorções e falta de transparência, só restabelecendo a execução com novas regras, como o teto de crescimento das emendas, vinculado ao arcabouço fiscal e exigências de auditoria e controle sobre as chamadas “emendas pix” e as de relator.
Cristiano Zanin, outro membro da Primeira Turma e indicado por Lula, também tomou decisões consideradas favoráveis ao Planalto, especialmente em temas fiscais e orçamentários, como a suspensão da desoneração da folha de pagamento de municípios e de 17 setores da economia no ano passado, a pedido do Executivo, medida que evitou uma perda estimada de R$ 15,8 bilhões para os cofres públicos. Posteriormente, Zanin também atendeu ao pedido do Planalto para restabelecer a desoneração, após acordo com o Congresso.
Outro gesto em sintonia com o governo foi o voto que impediu a aplicação da “revisão da vida toda” nas aposentadorias, revertendo decisão anterior do STF e poupando a União de um impacto de R$ 480 bilhões.
Tendência é de que relatores enviem mais processos para o colegiado em vez de discussões em Turmas
Marsiglia avalia que as turmas do STF têm atuado, na prática, como pequenos plenários. “Isso torna a divisão entre Primeira e Segunda Turma ainda mais relevante. De um lado, teremos uma Segunda Turma garantista e mais à direita; de outro, uma Primeira Turma mais punitivista e identificada com o campo progressista”, resume.
Isso porque, a definição sobre quais pautas serão julgadas por um único ministro, pelas Turmas ou pelo plenário segue regras estabelecidas no Regimento Interno da Corte, ficando na maioria das vezes nas mãos do relator tal decisão.
Em decisões individuais, os ministros costumam, ou deveriam, tratar questões processuais ou urgentes. Deveriam seguir para as Turmas casos recorrentes e considerados de menor impacto constitucional, enquanto o plenário deveria julgar matérias de grande repercussão, que exigem a palavra final da Corte.
Com as decisões de submeter as ações ao Colegiado, tanto na Turma quanto ao plenário, a alteração com Fux na Segunda Turma também pode gerar efeitos práticos nos julgamentos. “Com a nova configuração, é possível que aumente a tendência de relatores levarem casos ao plenário para evitar derrotas nas turmas. A dinâmica de poder interno do Supremo pode se tornar mais complexa”, complementa Marsiglia.
Módolo destaca que a mudança de Fux também pode ter efeitos institucionais relevantes, sobretudo no modo como os processos são distribuídos e julgados na Corte. “Esse movimento pode, de fato, gerar a reação de levar mais questões ao plenário — o que, aliás, deveria ter sido feito em todo o julgamento do chamado ‘golpe’. Se o ‘golpe’ era tão importante assim na vida nacional, deveria ter sido julgado pelo conjunto dos ministros, não na Primeira Turma”, afirmou.
O jurista observa ainda que, se a movimentação não for neutralizada por uma estratégia de levar todos os temas sensíveis ao plenário, as turmas do STF poderão se tornar bem distintas em perfil e orientação. “Nesse cenário, até o sorteio de onde um assunto cairá voltará a ser de interesse e gerará expectativa dos jurisdicionados. Mas, novamente, deveria ser assim sempre”, avaliou.
Paulinho diz que se arrepende de relatar proposta alternativa à anistia
Processos sob relatoria de Fux devem permanecer na Primeira Turma?
A transferência do ministro Luiz Fux para a Segunda Turma do STF também levantou dúvidas sobre o destino dos processos sob sua relatoria. Segundo o especialista em Direito Constitucional e Processo Constitucional Alessandro Chiarottino, quando um ministro muda de turma, ele não costuma levar consigo as ações que já estão em andamento.
Esses processos geralmente permanecem na turma de origem e a presidência do tribunal designa um novo relator para substituí-lo. “O objetivo é preservar coerência e estabilidade dos julgamentos, evitando que mudanças internas alterem o curso de processos em fase avançada”, destaca.
Quando um ministro pede para mudar de turma, ele passa a receber novos casos na nova composição, mas os processos antigos continuam onde estão, explica a professora Clarisse Andrade, doutora em Direito Público. Mas há exceções em que o ministro pode manter determinados casos sob sua responsabilidade e isso ocorreria em três situações principais:
- Processos ainda não distribuídos a nenhuma turma — quando ainda estão em fase inicial no gabinete do ministro;
- Ações de competência do plenário, que não se vinculam a nenhuma das turmas;
- Casos conexos ou preventos, ou seja, ligados a outros processos já sob sua relatoria, para evitar decisões conflitantes.
“Em termos práticos, a grande maioria de ações de Fux deve ficar na Primeira Turma, com novos relatores sorteados. Apenas os processos em fase preliminar ou com conexão direta a outros sob sua responsabilidade o acompanhariam”, explica Clarisse Andrade.
Para a professora, a distinção é relevante porque, com as turmas atuando de forma cada vez mais distanciada, a redistribuição de processos pode impactar a correlação de forças no Supremo. “Esses movimentos, embora administrativos, têm efeitos jurídicos e políticos. Saber quem julga é, muitas vezes, tão importante quanto o próprio julgamento”, destaca.
Módolo acredita que o impacto real sobre as ações hoje com relatoria de Fux só poderá ser medido após a efetivação da transferência. “Pode ser que ele leve [alguns processos]. Só veremos quando ele assumir. Aí, de fato, alguns que achavam ter controle do STF podem ter uma surpresa”, reforça.
Para Chiarottino, a ida de Fux para a Segunda Turma pode representar “um ganho”, porém, pode vir atrelado a um provável aumento da polarização dentro do tribunal.

Presidente do Instituto Voto Legal é condenado sem ter apontado fraudes nas urnas
Recurso para derrubar inelegibilidade de Bolsonaro está com Fux
A mudança de turma amplia o debate porque pode ter reflexos diretos sobre o recurso apresentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro contra a inelegibilidade imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023. Há a possibilidade de Fux, relator do caso, tentar levar o processo consigo para o novo colegiado, embora o tema ainda deva gerar debate interno na Corte.
André Marsiglia avalia que há espaço para discussão sobre isso no STF e sobre o destino desse processo. O jurista acredita que o caso pode, em tese, ser levado pelo ministro Luiz Fux para a Segunda Turma.
“Os processos dos quais o ministro é relator, ele pode levar consigo. Aqueles que já foram apreciados ou tiveram algum tipo de manifestação da turma, permanecem onde estão. Esse de Bolsonaro, salvo engano, ainda não foi tocado pela Primeira Turma, então, em tese, ele poderia tentar levá-lo”, explica.
O constitucionalista analisa que a movimentação não é automática e pode enfrentar resistência interna. “Essa transferência depende de concordância e pode ser questionada pela própria turma [a Primeira], justamente por envolver um caso de grande relevância política e institucional”, completa.
Bolsonaro foi condenado pelo TSE a oito anos de inelegibilidade por suposto abuso de poder político, após ter usado o Palácio da Alvorada para uma reunião com embaixadores em 2022 para questionar o sistema eleitoral. O ex-presidente recorreu ao STF, e o caso foi inicialmente distribuído ao ministro Cristiano Zanin, que se declarou impedido de atuar. Em maio de 2024, a relatoria passou para Fux.
Clarisse Andrade analisa, no entanto, que a tendência é de que o recurso siga na Primeira Turma. Na visão dela, o processo começou a ser analisado ali, quando Zanin submeteu ao colegiado seu impedimento, posteriormente confirmado pelos demais ministros. “Como a Primeira Turma já se pronunciou sobre o tema, ela deve manter preferência para julgar o mérito”.
Módolo acredita haver espaço para interpretação, o que pode abrir caminho para uma discussão interna sobre o destino da ação. “Fux pode até retornar a ela exclusivamente para conduzir o julgamento, caso mantenha a relatoria, mas isso ainda depende de decisão administrativa e vai render muito debate”, reforça.
O regimento interno do STF é ambíguo nesses casos: “O Supremo tem mudado entendimentos com frequência. Essa questão deverá ser resolvida entre Fachin, Fux e Flávio Dino, esse último que preside a Primeira Turma. O regimento dá margem a interpretações”, destaca Andrade.
Além do caso dos embaixadores, Bolsonaro enfrenta outras condenações por suposto abuso de poder político, incluindo o uso eleitoral das celebrações do 7 de Setembro de 2022 e sua condenação pelo STF pela suposta tentativa de golpe de Estado – que pode deixá-lo inelegível até 2060.
Vale lembrar que, nesse julgamento, Fux foi o único voto contrário à condenação do ex-presidente na Primeira Turma — o que reforça, segundo analistas, o impacto potencial de sua mudança para um colegiado onde tende a encontrar maior sintonia com ministros de perfil garantista.

STF forma maioria para manter decisão que restringe procedimentos de mudança de sexo
📢 Belford Roxo 24h – Aqui a informação nunca para
📞 WhatsApp da Redação: (21) 97915-5787
🔗 Canal no WhatsApp: Entrar no canal
🌐 Mais notícias: belfordroxo24h.com





