
Confirmando a reaproximação diplomática iniciada na Assembleia Geral da ONU, no mês passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conversou cerca de meia hora nesta segunda-feira (6) por videoconferência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O diálogo cordial serviu só para consolidar o canal direto de comunicação sugerido no brevíssimo encontro entre os dois em Nova York.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o novo ambiente revela um reposicionamento estratégico de Trump após perceber que, passados dois meses desde o anúncio do “tarifaço” e a aplicação de sanções da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tais medidas não deram resultados esperados. Restou investir noutra abordagem, sem deixar de vista seus alvos.
A tarifa extra de 40% sobre diversos produtos, que elevou a taxação ao patamar recorde de 50%, gerou efeitos negativos pontuais na economia, sem alcançar o impacto pretendido na economia brasileira. As sanções financeiras e a suspensão de vistos de autoridades tampouco alteraram o curso do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) nem interromperam ações judiciais contra a direita, apesar da ameaça de novas punições americanas.
Nesse cenário, Lula acabou se beneficiando eleitoralmente das medidas adotadas por Trump contra o comércio brasileiro. Ele explorou a retórica nacionalista e transformou as punições em bandeira interna — sobretudo para desgastar seus adversários no campo conservador. Ao novamente chamar Lula de “um homem bom”, Trump usa de pragmatismo para tirar do brasileiro subterfúgios pelos quais se esquivava de negociar.
Conversa deixou resultados concretos para momentos futuros
Segundo a Secretaria de Comunicação do governo do Brasil, no encontro virtual realizado sem aviso prévio, Trump preferiu insistir na via da aproximação pessoal. Ele teria deixado de lado o confronto direto para tentar avançar, de forma mais suave, a sua agenda comercial e política com o Brasil. A conversa foi acompanhada pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, e a maior parte do tempo teria sido dedicada a gracejos, troca de números telefônicos e reafirmações de “química” entre os líderes. Não é possível confirmar de forma independente o conteúdo da conversa.
As pautas espinhosas que levaram ao pior momento das relações bilaterais em 201 anos de história — o tarifaço e as medidas contra autoridades brasileiras — foram só mencionadas, sem compromisso de mudança e sem citar nomes. Tanto Lula quanto Trump projetam uma reunião presencial entre eles, no Brasil, nos Estados Unidos ou em um terceiro país, provavelmente a Malásia.
Para dar continuidade ao diálogo, Trump designou o secretário de Estado Marco Rubio como interlocutor oficial, garantindo que o debate permaneça nos salões da diplomacia, ainda longe de um resultado palpável.
Lula pediu que Rubio, conhecido crítico do governo petista e do ativismo judicial brasileiro, atuasse “sem preconceito” na missão. A oposição no Brasil comemorou a indicação de Rubio como sinal de cobrança intransigente por recuos do Judiciário e exposição de abusos.
Enquanto Trump suaviza a retórica e subentende querer cooperação do Brasil em áreas estratégicas — como minerais raros e combate ao narcotráfico — Lula recorre aos recursos diplomáticos: lembra o superávit comercial com os Estados Unidos e defende maturidade no trato das negociações. Mas também não deixou de incluir o tema das punições a autoridades na agenda, gesto que agrada ao Judiciário.
Abertura de diálogo teve mais influência do lobby empresarial do que do Itamaraty
Analistas ainda se debruçam sobre os sinais emitidos por Trump na conversa virtual com Lula, em busca de pistas sobre seus próximos movimentos em relação ao Brasil. Muitos, contudo, reiteram que a dinâmica do diálogo bilateral segue mais condicionada à atuação de grupos privados do que à diplomacia oficial.
Escritórios de lobby em Washington, grandes importadores de café e carne brasileira e representantes do agronegócio continuam exercendo influência decisiva na construção de pontes comerciais, superando o alcance do Itamaraty.
“O alívio tarifário concedido até agora às exportações brasileiras resulta, em boa medida, da articulação direta entre empresas brasileiras e importadores americanos”, avalia o cientista político Paulo Kramer. Segundo ele, Lula pouco contribuiu para esse processo — “pelo contrário, atrapalhou nossos exportadores”, afirma.
“O presidente brasileiro chamou o presidente americano de nazista e fascista e fez duro discurso contra ele na ONU, além de evitar uma negociação comercial séria sob o pretexto de falta de abertura, quando havia provas claras do contrário”, acrescenta.
Cooperação contra cartéis de drogas pode ser colocada na mesa de negociação
O cientista político Antonio Flávio Testa avalia que, até o momento, as barreiras comerciais impostas por Washington tiveram efeitos pontuais, e a aplicação da Lei Magnitsky não produziu impacto concreto no curso dos acontecimentos.
Para ele, Trump está concentrado em temas de maior relevância nos âmbitos doméstico e internacional. “O Brasil é peça secundária no tabuleiro global. O que mais interessa aos Estados Unidos, neste momento, é o combate aos cartéis de drogas na região — e, nesse contexto, o país entra apenas como parte do jogo latino-americano”, diz.
Testa ressalta, contudo, que não está descartada uma nova rodada de sanções da Magnitsky contra ministros do Supremo Tribunal Federal. Ele acrescenta que a reabertura, nos Estados Unidos, de investigações ligadas à Operação Lava Jato — que envolve esquemas de corrupção com ramificações internacionais — pode trazer novos constrangimentos e tensões para as relações bilaterais.
Para professor, Brasil está longe de ser uma prioridade para Trump
Daniel Afonso Silva, professor de Relações Internacionais da USP, avalia que não há uma mudança efetiva na estratégia de Donald Trump em relação ao Brasil, já que suas motivações ultrapassam a esfera econômica. “O tarifaço é até prejudicial à própria administração do presidente, mas funciona como recado político aos seus eleitores e demonstração de força geopolítica”, afirma.
Segundo o especialista, a tática de “bater forte e esticar a corda para obrigar chefes de governo nacionais a buscarem o diálogo” foi direcionada a Lula, até então um dos poucos líderes a manter resistência aberta a Trump. “Apesar das tensões iniciais, os fatos se aceleraram desde o encontro na ONU, com sinais de distensão e abertura para novas conversas”, observa.
Mesmo assim, Daniel pondera que o Brasil continua distante do centro das atenções da política externa americana. “Hoje, a prioridade de Trump é conter as guerras na Ucrânia e em Gaza, para recuperar margem de manobra e enfrentar o protagonismo da China”, diz.
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