Um trabalhador sul-coreano trabalha em média as 40 horas semanais previstas por lei, mais 12 horas extras, totalizando 52 horas – além dos adicionais, tradicionalmente realizados sem registro nos relógios de ponto. Até 2018, o limite legal era ainda mais extenso: 69 horas semanais. A jornada média do país é 199 horas anuais mais longa do que a média registrada pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Por outro lado, enquanto os sul-coreanos estão habituados a trabalhar seis dias por semana, os espanhóis avançam rapidamente na direção dos quatro dias. O governo do país europeu iniciou em 2021 um programa, com 200 companhias parceiras, que vêm testando o formato. O limite estabelecido por lei é 40 horas semanais, que estão em processo de mudança par 37,5 horas, aprovada por lei em maio. Um dia de trabalho típico inclui um período de siesta nas primeiras horas da tarde e a cultura local valoriza o encerramento das atividades mais cedo às sextas-feiras.
Intuitivamente, era de se imaginar que a economia da Coreia do Sul fosse muito mais forte do que a espanhola, considerando o quanto os profissionais trabalham a mais. A partir dos anos 1980, de fato, os asiáticos sustentaram altíssimos padrões de crescimento econômico. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita ultrapassou os US$ 35 mil em 2021. Em 2023, chegou à faixa dos US$ 33,1 mil. Acontece que o valor é inferior aos US$ 33,5 mil dos espanhóis – cujo PIB per capita deu um salto de 10,64% de 2022 para 2023.
O que explica o fato de a Espanha, com fama de ser um país menos produtivo, ter ultrapassado a Coreia do Sul pela primeira vez nos últimos anos? Será que a obsessão sul-coreana com trabalho e disciplina não se traduz mais em renda para a população?
Coreia do Sul em baixa
Está em andamento, junto às novas gerações sul-coreanas, um processo de questionamento a respeito do tamanho do comprometimento das pessoas ao ambiente corporativo – que começa, aliás, nas escolas, que adotam cargas horárias que com frequência envolvem turnos matutino, vespertino e noturno, e exigem padrões de qualificação que colocam o país nas melhores posições dos índices educacionais globais: 84% dos alunos alcançam alto nível de proficiência em matemática, muita acima da média de 69% registrada pelos países da OECD.
A tradição cultural, iniciada ainda na década de 1960 e fortalecida ao longo do século 20, deu origem a empresas globais influentes, como Samsung, LG e Hyundai. Com base no mercado de tecnologia, a manufatura industrial sul-coreana galgou amplos espaços no mercado global. Passado um quarto do século 21, o cenário mudou.
O grau de comprometimento mudou, mas a força de trabalho também tem sido reduzida, por causas naturais, em níveis nunca antes experimentados em qualquer país do mundo: a taxa de fertilidade do país alcançou 0,72 filhos por casal – na capital, Seoul, é ainda menor: 0,55. Nenhuma outra nação monitorada pela Organização das Nações Unidas passa por um processo tão intenso de encolhimento de sua população. Lembrando que, para preservar a quantidade de moradores atual, sem depender de imigrações, um país precisa de uma taxa de fertilidade de 2,1 filhos por casal.
Ao ritmo atual, em 2060, a população da Coreia do Sul terá encolhido em 30% e metade dos moradores terão mais de 65 anos. Não há grau de automação e eficiência que suporte tal pressão. Esse fenômeno poderia provocar impactos menores no curto prazo, não fosse o cenário internacional, diz Márcio Sette Fortes, economista e professor de relações internacionais do IBMEC, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil.
“A economia coreana se apoia na exportação, especialmente de produtos de tecnologia, baseados na formação de uma força de trabalho altamente qualificada. É uma opção vantajosa, que paga em dólar, mas que depende do contexto. Diante de um cenário incerto no médio prazo, os benefícios dessa estratégia se diluem”.
A instabilidade política não ajuda: desde dezembro passado, quando o presidente Yoon Suk Yeol decretou lei marcial, as instituições atuam com um novo nível de insegurança – ainda que a crise tenha sido parcialmente contida, com o governante detido em janeiro e a Corte Institucional decretando o impeachment em abril.
A este cenário se soma a redução da base de profissionais qualificados, num cenário de rápido envelhecimento da força de trabalho. “Existe uma mudança cultural em andamento com a nova geração, que não se sente mais confortável a assumir o mesmo grau de comprometimento com as empresas onde atuam. Mas o mais grave é o fator demográfico, que pressiona os profissionais, em número cada vez menor proporcionalmente aos mais velhos”, diz o professor.
Espanha em alta
Por outro lado, a economia espanhola escapa da armadilha demográfica, que também atinge outros países europeus, com uma estratégia de captação de imigrantes. “Austrália e Canadá buscam novos moradores, em idade produtiva profissionalmente e capazes de trazer os filhos para o novo país. No caso da Espanha, a estratégia é diferente: se baseia na busca por descendentes”, afirma o professor do IBMEC.
No Brasil, aproximadamente 15 milhões de pessoas são descendentes de espanhóis. Filhos, netos e bisnetos estão habilitados a participar do processo de pedido de cidadania espanhola, aberto em outubro de 2022 com base na Lei da Memória Democrática, que tem validade de três anos. Como resultado, a Espanha é um dos poucos países da Europa a experimentar aumento da população, com benefícios de médio de longo prazo para a sustentabilidade da economia.
“São duas economias em transformação, em sentidos opostos”, diz Fortes – que morou em Madri na infância. “A economia espanhola se apoia no setor de serviços, com um grande foco no turismo. É uma área caracterizada por gerar empregos e renda de forma recorrente, que gera uma massa de trabalhadores com poder de compra que se sustenta ao longo de todo o ano. Assim, sustenta outros setores com base na capacidade de consumo, o que gera um círculo virtuoso”.
Em paralelo, o país vem realizando investimentos expressivos em infraestrutura logística, baseada em parte na nova economia baseada em eletricidade e combustíveis de fontes renováveis – o país já tem a segunda maior infraestrutura da União Europeia neste quesito. O turismo segue em alta: desde 2021, o setor dobrou o faturamento, que hoje representa 12,9% do PIB e de 11% dos empregos. Em 2024, o país recebeu 94 milhões de visitantes internacionais.
E assim, com base em uma economia que favorece o atendimento ao ecossistema de empresas que apoiam o turismo, e sem abrir mão do descanso depois do almoço, a Espanha se posiciona como uma força econômica promissora, enquanto a receita da Coreia do Sul se vê contestada.
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